Amor Pacífico: De Mãe pra Filha

Quando eu tinha de ir `a Sephora, lembrava-me de Camille Paglia dizendo que o mundo ocidental é pagão, na sua adoração pelo objeto. Os últimos lançamentos da industria, que, neste país, parece se superar ou se auto-devorar diariamente, competem lado a lado nas prateleiras, se auto-afirmando em embalagens do arco da velha, havendo, `a frente de cada qual, um produto “nu” servindo de amostra, e se oferecendo descaradamente, sob o rótulo “Try me!”, e as promessas mais loucas do seu poder “mágico”. Mas, quando finalmente me dei conta de que odeio a Sephora, percebi que esta corrompe até a adoração pagã do capitalismo, e promove deste, somente o materialismo sem alma. Isso porque Sephora- que não passa de um supermercado de cosméticos, assim como Toys R Us era supermercado de brinquedos- nao dá, no amontoado de suas prateleiras, o espaço necessário ao despertar da fantasia no cliente; a sofisticação que cada marca requer para seduzi-lo/a. Nem o espaço, e nem o tempo, pois, de amostra em amostra, da leitura de um rótulo promissor para o outro, fica-se sem saber no que acreditar, quando ainda nem bem se viu, leu ou testou, os produtos de um terço da loja. Nos department stores, cada marca tem seu mundo a parte, no seu balcão individual, e na devoção de suas vendedoras; suas sacristãns. Mas a mentalidade pragmática de concentrar tudo que se pode de um genero de produto (comida, ou brinquedos, ou cosméticos) em prateleiras comuns de uma mesma loja, quer dizer, a mentalidade supermercado, transforma a adoração ao objeto em banalização: ao passar de um hidratante que diz ter o ingrediente tal (e lá vem nome cientifico) cujo poder faz as células epidérmicas “lembrarem” de se renovar, a outro bem ao lado, cuja fórmula inovadora se garante “ ativante de juventude”, por conter ingredientes derivados da bio tecnologia, seguido ainda de outro, que se promove como caviar epidérmico, dando vergonha ao evocar a fantasia decadente de uma pele “madura” comendo caviar, enquanto metade do mundo passa fome, etc etc, a pessoa vai se sentindo absurda, cansada, e, finalmente, cética. Tudo aquilo fala da pele como uma entidade pensante, e se um décimo do que afirmam fosse verdade, não existiria mais rugas na classe média que sustenta as lojas Sephora.

A mistura de tecnologia, ficção literária e fantasia individual, nas promessas que se lê de cada produto acabam soando mais como afirmações de um novo genero de ficção científica, do que algo a conseguir na realidade. As vezes por ceticismo, e `as vezes por querer mesmo fantasiar, venho mudando de marca pra marca há vinte anos, mas aprendi a não gastar mais tempo na Sephora, e a só ir lá se souber com antecedência o que comprar.

Passei de marcas francesas tradicionais para a fase dos ácidos, para a das farmácias manipulativas, e tchau Sephora. Mas, depois de um papo com a Paola, em que ela resgatou esse direito feminino da união da vaidade com o sonho na fantasia lúdica, aderi `a marca Amore Pacific, que ela me recomendou, e consegui voltar `a Sephora.

Paola contou que boa herança de sua mãe foi a vaidade, e isso me fez lembrar como passei tambem, ou acordei em minha filha, a vaidade lúdica. Quando Olivia tinha uns tres meses, e eu queria me maquiar diante do espelho do banheiro, botava ela do lado da pia, deitada numa almofada de bebê, da qual não podia rolar. Ela ficava quietinha (que era coisa rara) e todas as vezes em que eu, surprêsa com a sua paz, olhava seu rosto, tinha a impressão de que ela, registrando todos os meus gestos, estava completamente interessada no que eu fazia. Ela era tão jovem… Seria só impressão ? Mas afinal tratava-se de um bebezinho menina, e eu lembrava que meu filho Chris, mais velho do que ela, desde bebê, só se interessava por coisas de meninos, e não estava nem aí quando me via diante do espelho.

Eu estava certa. Com não mais que dois anos, Olivia mostrou sua vaidade, da maneira mais linda. Naquela época, ela frequentemente me via diante daquele mesmo espelho, colocando um arco ou outro no cabelo. Claro que então, ela ja não mais precisava ficar deitada do lado da pia, e, pequenina, não chegava nem a alcançar a altura desta, ainda menos o espelho acima. Mas um belo dia, deu um jeito de pegar um daqueles arcos, e com toda convicção, colocá-lo em torno do pescoço, numa expressão radiante e vitoriosa. Tentando copiar o que me via fazer, ela estava se achando linda, parecendo não ter ideia de que o arco não estava no devido lugar em seu corpinho, e dispensando, na sua plenitude, a confirmação do espelho. Seu espelho era seu coração; sua satisfação consigo mesma.

Com três anos, Olivia começou a brincar com maquiagem, como se fosse a coisa mais séria do mundo. Sempre lhe dei liberdade, mesmo nas suas combinações estapafúrdias com sombra de olhos, batons, etc. Afinal, uma das compensações do sexo “frágil” é assimilar o poder lúdico da beleza; poder “viajar” na fantasia feérica da união das cores, texturas, perfumes e promessas, do seu mundo.

Quando Paola me sugeriu Amore Pacific, lembrei nunca ter checado a marca, por achar que com nome tão romantico, suas promessas deviam ser muito pra lá de irreais. A evocação de amor, de oceano Pacífico, e de pacifismo, ofereceria, no mínimo, a beleza do romance, os milagres azuis da maior extensão de água do planeta, e a suavidade da paz... Isso era muita coisa!

Porém, a recomendação da Paola, como o espelho interno de Olivia, teve sua própria verdade, pois, conselho de amiga vem do coração. Estou adorando Amore Pacific!

Eleonora Duvivier