Amor Cósmico: Eclipse do Sol
Acabei de ver o eclipse do sol, daqui de Boulder. Saía de casa com meu cachorro, lá pelas onze e meia da manhã, pensando que o fenômeno celeste ja tinha no mínimo acontecido, pois que se faz tamanha onda em torno de eventos cósmicos, dos quais muitas vezes quase nada, ou mesmo nada, se vê deles. Nessas ocasiōes, a indústria em geral se aproveita, fabricando todo tipo de parafernália temática, em torno do evento.
Disseram-me que o eclipse de hoje seria `as dez e meia da manhã, Mountain time , mas da cozinha, já mais tarde que dez e meia, eu via a luz do sol lá fora, fixa e constante. Sabia que nessa área não faria noite total, mas mesmo assim, se algo pudesse ser visível, alguma diferença deveria se poder notar na luminosidade do dia. Então, desincumbindo-me do interesse de "correr" atrás do eclipse, fui saindo com o cachorro porta fora, e me surpreendo quando o jardineiro logo aponta pra calçada, `a beira da qual crescem várias de nossas plantas, e me diz, "Olha o eclipse..."
Nunca pensei poder ver sinal de eclipse no chão, mas as formas em meia lua das sombras que ali vi, repetidas infinitamente, me pareceram a princípio serem projeçōes distorcidas das folhas das plantas. Quando vi a verdadeira sombra das folhas, percebi então que aquelas projeçoes que vira antes, como havia dito o jardineiro, eram sombras do próprio eclipse: as mil formas que, parecendo repetiçōes de pequenos "C"s, ou luazinhas crescentes, correspondiam na verdade `as fatias de sol cobertas pela lua. Como dissera o jardineiro, naquele chão podia ser visto o eclipse. Por mais que se explique os fenômenos supostamente naturais, a primeira vez que vejo um deles, sinto-me diante de um milagre, como a revelação que um animal desconhecido em liberdade me causa.
O que vi, no que tomei como sombra das folhas, foi o mundo da terra refletir o do céu; o solo ecoando o cosmos. As mil eclipsezinhas no meu chão eram mil céus sobre a minha cabeça!
Entrei correndo e peguei os óculos adequados para olhar o sol diretamente, enquanto levava o cachorro rua acima entre exclamaçōes de maravilhamento, e pausas desajeitadas para reajustar os óculos, apreciar, e fotografar de qualquer jeito com o iPhone.
Dizem muitas coisas sobre eclipses. Geralmente, as pessoas têm medo e ficam na defensiva, talvez pelo evento concernir uma interrupção da luz emitida pelo astro rei, tanto na que vem pra terra, como no caso da que acabo de ver, quanto na que vai pra lua, quando nosso planeta se bota entre esta e o sol. Soube de gente que nesses dias, nem quis sair de casa. Alguns falaram em reajustes e/ou quebras de relaçōes, e ainda outros em novos começos. Evito me agarrar com interpretaçōes que sirvam `a coletividade, por isso não sigo astrologia, embora não lhe seja totalmente descrente.
Quanta gente pensou que o mundo não passaria do ano dois mil, por causa do gesto do Menino Jesus de Praga? Quantos outros, traduzindo calendários da antiguidade e sabe-se lá o que mais, tiveram uma certeza tão fanática quanto obsessiva, chata e derrotista, que o ano 2012 seria fatídico?
Querer prever a qualquer custo é querer se proteger do imprevisto, do que a Deus pertence . Incapaz de suportar o que está alem de si, o ego gosta de certezas, pois que estas confirmam a própria limitação da sua natureza; a incapacidade de se abandonar. Eu tinha ouvido coisas sobre o eclipse, mas só posso acreditar no que eu própria senti do que vi, e que foi tão lindo. Olhos nos olhos do satélite e da estrela, ao apreciar a ousadia humilde da lua cobrir o sol, passando, obediente, delicada e reverente, na harmonia languida de uma carícia que, espraiando-se nas diversas camadas do azul `a volta, não deixava de ser fiel ao contorno de seus corpos celestes, agraciando de brilho a precisão tenazmente redonda do encontro de suas linhas, eu vi, muito antes de uma interrupção de luz, a privacidade da pausa de um grande ato de amor; um copular cósmico.