A Iminencia da Vida

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Um dia, sonhei com uma estrela boiando no azul aguado do anoitecer. Única, aquela deslumbrante esfera de luz transformava toda a extensão celeste que lhe rodeava em sua exclusiva moldura. Primeira a marcar o céu, ela era a conclusão do nascimento, e o mistério puro entre fim e começo.

Sob um sentimento de respeito quase petrificante, refugiei-me no mundo do conhecido e pensei que aquele corpo celeste era a estrela Dalva.

Venus, eu conheço voce, sei o teu nome, não tenho medo. Sem piscar, a luz radiante do circulo prateado, na sua continuidade ininterrupta, era definitiva. Venus… estrela Dalva, so pode ser. Mesmo que o seu brilho me assuste, voce é familiar; não vai me levar para dimensões desconhecidas, ou me trazer pensamentos estranhos, pensei.

Mas a estrela começou a crescer, até atingir o tamanho de uma bola de bilhar , logo ficando azulada, como a terra vista pelos astronautas a grande distancia. Hipnotizada pela admiração, consegui pouco a pouco discernir, na superfície deserta daquele corpo celeste, rios, florestas, continentes e mares nomeados individualmente, como se Deus lhes houvesse batizado, antes de se tornarem solo de qualquer civilização.

Um novo planeta era anunciado, pronto a ser povoado. Pessoas poderiam pisar naquele corpo celeste, e começar um mundo novo. A disponibilidade da perfeição celeste daquele ser era a iminência da vida, causando-me uma indescritível vontade de chorar. Aquela esfera azulada sem mácula, flutuando no céu trazia a tristeza de ser só, e a alegria de ser única.

“Estrelinha, por que voce quer abandonar a sua completude? Pra que voce quer virar solo cultivado e terra trabalhada, ao invés de continuar sendo pureza intocável? Por que se tornar acessível, abandonando a majestade que vc tem no céu?

Minha estrela estava pronta para virar chão. A iminência da vida, medo do mistério e alegria do milagre, é reverencia diante da inocência, e do imprevisto. É a ambivalência da liberdade, enquanto abandono da perfeição pela posse de um destino.

Aquela esfera sagrada estava pronta para se repartir: a iminência da vida é promessa de integridade e sofrimento de separação. É a concepção e o dar a luz de um bebê .

Estrelas nascem, iluminam, tornam-se unidades isoladas em toda sua plenitude, e também generosidade na luz que repartem. Não é isso, a beleza de um céu estrelado? A novidade sem fim de cada uma, ao mesmo tempo que a ligação de todas no céu?

A iminência da vida. Tremenda fé por parte da criatura, enorme generosidade do criador. Na entrega de ambos, um se separa do outro, com toda a generosidade, liberdade, e nostalgia do desapego divino, e fazendo, da distancia que os distingue, a promessa de retorno e comunhão.

A iminência da vida é o gesto de Deus antes da vida, o desapego e amor da mão divina que Michelangelo pintou no desapego de si ao criar o homem; a inauguração de uma separação que é também reencontro. A mão que trazemos no fundo do coração, do momento em que aceitamos ser a estrela do meu sonho, a oferta de solidez para nossos semelhantes, a semente no ventre de nossa mãe. Um novo brilho no céu.

Eleonora Duvivier